São Paulo, 13 de setembro de 2025
Era janeiro de 2025. Eu estava na China. Mais precisamente em uma massagem no Amanyangyun, em Xangai. Apesar de todo o ambiente convidar ao relaxamento e à desconexão, eu havia entrado em um fluxo de pensamento tão intenso que não conseguia, e, de certa forma, nem queria, interromper. Depois de dias com pensamentos soltos, tudo parecia se encaixar justo naquele momento.

Era o último dia de uma viagem que veio em boa hora. Quando 2024 terminou, eu estava exausta. Foi um ano de emoções extremas e, frente a situações que me fizeram ter vontade de me recolher, não foi isso que eu fiz, afinal, sempre carreguei comigo a ideia de que o mundo não para para que a gente possa catar os próprios pedaços.
Era fim de tarde quando nosso carro adentrou o pátio do lindo palácio transformado em hotel. Abri a porta e senti um impacto avassalador e invisível: ali, no meio daquele pátio frio do inverno em Pequim, reinava um silêncio que eu não lembrava existir e não seria a única vez que eu sentiria isso na China
Antes de embarcar para a China, avisei minha família: “lá não funcionam WhatsApp nem Instagram”. E me sentia aliviada por isso, poder me recolher sem qualquer culpa mas, para minha frustração, tão logo o telefone encontrou sinal e todos os aplicativos funcionaram normalmente.
Em Pequim visitamos o Palácio de Verão: grandioso, silencioso, mesmo entre turistas que iam e vinham. Parecia deslocado no tempo, imune aos ruídos do mundo moderno.

Em Hangzhou, não demorou para que eu entendesse o apelido “paraíso na Terra”: o Amanfayun, ocupa a área de uma antiga fazenda de chá e está encostado em um magnifico templo budista. Vielas de pedra, pavilhões de madeira escura, e bambuzais, tudo respirava calma, tudo respirava.

Lembro de abrir a porta do nosso pavilhão e sentir uma onda inebriante de paz. “Nossa, como eu precisava desse lugar”, falei em voz alta.
Olhando em retrospecto, talvez não seja estranho que eu estivesse tão reflexiva mesmo estando numa massagem, naquele último dia de viagem. A cabeça fervilhava e fui correndo até o quarto para anotar os pensamentos antes que escapassem. Peguei o bloco do hotel e, na pressa para não esquecer nada, os pensamentos saíram em garranchos difíceis de entender hoje. Entre garranchos e sementes de pensamento, está escrito: “não quero fazer o evento da MH em outubro. Não estou sentindo esse desejo, esse impulso”.

De volta ao Brasil, prometi a mim mesma tentar conservar aquela paz e clareza que senti na China. Escrevi todos os dias do ano. Ganhei profundidade na terapia (e olha que faço há 15 anos!), escrever me ajudou a construir um músculo que não se vê: o da atenção e foi a forma mais artesanal de voltar para casa, mergulhar em mim mesma e me permitir tempo e verdade.

A MH é, digamos, a minha pessoa física com CNPJ, o espaço onde eu posso ser inteira. Ser sócia majoritária me dá o privilégio de fazer dela o meu playground: um território de liberdade e onde tudo nasce a partir daquilo que é verdadeiro em mim, sem que eu precise me render as regras de varejo ou as expectativas alheias.
Foi dessa liberdade e com minha criança muito imaginativa e que adora inventar mundos que surgiram os primeiros eventos. Mas, neste momento, o que sinto é vontade de recolher. Não é ausência de entusiasmo; é apenas que o meu desejo está voltado para dentro. Fazer um evento agora, apenas porque ele “precisa acontecer”, seria contrariar o princípio essencial de que tudo deve nascer de um impulso genuíno.
Sei que divertiram, inspiraram e emocionaram muita gente, e fico feliz por isso, mas a verdade é que, em primeiro lugar, eles eram a minha própria diversão. Um exercício de encantamento pessoal. Repeti-los sem esse mesmo espírito seria um contrassenso.
Sartre chamava de má-fé a tentação de viver para expectativas externas. Heidegger descreveu o perigo de habitar o piloto automático do impessoal. Talvez, no fundo, ambos estivessem falando do mesmo: da coragem de permanecer fiel ao que é real.
O tempo é uma matéria-prima que não se recompra. Há um custo invisível em agradar: ele se cobra em prestações de distração. Quando nos damos conta, já estamos em débito com a nossa própria vida.
Mas a natureza ensina, para quem estiver disposto a parar e observar: uma lagarta não se torna borboleta por meio de uma transição suave e linear. Vive normalmente até que, um dia, algo a obriga a parar e se fechar em si mesma. No casulo, dissolve-se por completo, desmonta-se até virar quase nada, e só então pode se reorganizar em algo novo. Quando finalmente o casulo se abre, a lagarta descobre, ao ser tocada pelo vento, que pode voar.

Metamorfose é um verbo que não se conjuga em público. Há um tempo para semear, um tempo para florir e um tempo para voltar a ser semente. O ciclo de uma lagarta me mostra que o silêncio, a pausa e o recolhimento não são retrocessos: são casulos e, sem eles, não há voo.
A presença e o tempo dos outros é um presente. A minha, quando verdadeira, também é. Este ano, a presença mais honesta que posso oferecer é a que nasce do recolhimento — que é, na verdade, uma outra forma de estar: a que devolve tempo para que o trabalho continue sendo verdade.
Sei que, de algum modo, uma carta como esta pode espelhar a vida de quem a lê, por isso, receba essa carta para dizer que, este ano, o meu evento é devolver tempo ao tempo. E, enquanto esse tempo durar, que esta carta escrita de próprio punho chegue até você como um gesto silencioso, feito com o meu bem mais precioso que eu poderia te oferecer e para lembrar do bem mais precioso que você também tem: tempo.

Esse ano escolho ir pro casulo. É só de lá que voltam as coisas que valem a pena e creio que só quem honra o silêncio das metamorfoses sustenta o voo. Nos vemos quando as asas secarem!
- Maria Helena
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